Paulatinamente #15: Crônicas do Irã, Narges Mohammadi & DOI-CODI
Ficar na cela era difícil e, às vezes, insuportável. Eu desejava ter um ataque cardíaco só para sair dali
Demorei para produzir a edição deste mês da newsletter por causa da temática, difícil e pesada de tratar, que que ficou martelando na minha cabeça. Primeiro, quero começar falando da visita que fiz ao DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), organizada pelo Núcleo Memória em algumas datas esporádicas divulgadas no Instagram. Essa ONG cuida do Memorial da Resistência, que fica ao lado da Sala São Paulo (casa de concertos paulistana), e onde funcionava o DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social).
O DOI-CODI fica na parte de trás da delegacia da rua Tutoia, no bairro do Paraíso, em São Paulo. Ainda está em tramitação a possível criação de um centro de memória para relembrar as vítimas que foram presas, torturadas e mortas pela ditadura civil-militar brasileira. Sempre quis fazer essa visita, pois morei muito tempo no bairro e isso faz parte da memória dessa região.
É uma visita dura, mas necessária para aprendermos melhor a história do nosso país. Ouvimos relatos de sobreviventes da tortura e que ainda lutam para que a Justiça seja feita. O clímax é quando subimos as escadas e visitamos as celas onde pessoas foram torturadas e mortas, inclusive o local onde foi tirada a foto do suicídio encenado do jornalista Vladimir Herzog. Tirei algumas fotos, mas a única que divulgarei é a da entrada do local. E, sim, tem uma energia parada e pesada.
Entrada para o centro de tortura do antigo DOI-CODI em delegacia na rua Tutoia
Essa temática continuou presente, pois li o livro Tortura branca, da iraniana Narges Mohammadi. Vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2023, ela é uma ativista pelos direitos humanos no Irã, que desde 1998 passou mais tempo atrás das grades do que em liberdade. Sofreu várias formas de tortura psicológica, chamada de “tortura branca”, como sons altos, luz que nunca se apaga e impede o sono, ameaças a familiares e amigos e confinamento solitário).
Ela é vice-líder do Centro de Defensores dos Direitos Humanos do Irã. Uma das fundadoras dessa instituição é a admirável juíza Shirin Ebadi, que também ganhou o Nobel da Paz em 2006 e passou um período presa por defender os direitos humanos no Irã. Ebadi assina um dos texgtos de apresentação de Tortura branca, que reúne depoimentos de mulheres presas seja por serem imigrantes, curdas, sufis, bahaístas, ativistas etc.
“Ficar na cela era difícil e, às vezes, insuportável. Eu desejava ter um ataque cardíaco só para sair dali. Não sabia de fato o que queriam de mim, pois não me pergutnaavam sobre minhas atividades, além de não existir nenhums investigação em andamento.”
Testemunho de Narges Mohammadi
Outro livro difícil de ler, mas urgente e necessário. Os catorze depoimentos se seguem e muitas características vão se repetindo nos relatos, mostrando como esse tipo de prática é baseada em experimentos que buscam quebrar o lado humano das prisioneiras. Muitas em confinamento solitário não viam a hora de encontrarem seus interrogadores para terem alguém para conversar.
A ativista iraniana Narges Mohammadi
Mohammadi e várias outras mulheres e homens corajosos são protagonistas do quadrinho Mulher Vida Liberdade, organizado pela grande Marjani Satrapi, a cabeça e as mãos por trás de Persépolis. É também o retorno da autora às HQs, além de reunir um time de dezessete quadrinistas internacionais, que ilustraram textos por três especialistas no Irã.
“Mulher Vida Liberdade” é o slogan do dos protestos (inspirados na luta pela independência dos curdos) que estouraram no Irã após o assassinato de Mahsa Amini, jovem curda que foi morta pela polícia moral por não estar usando o véu do jeito “correto” em 16 de setembro de 2022. A partir desse evento, vários jovens passaram a se reunir para exigir maior liberdade no Irã e contra o governo teocrático que domina o país desde a Revolução de 1979.
Foi um marco no país e que ainda continua a reverberar. Narges Mohammadi aparece em um dos quadrinhos, na história “Elas dizem não”, de Nicolas Wild e Jean-Pierre Perin. Aqui estão as duas páginas:
E já que o tema foi seguindo para o Irã, recomendo demais o filme Crônicas do Irã, de Ali Asgari e Alireza Khatami. São pequenas histórias cotidianas que mostram como os pequenos poderes e a corrupção dominam o sistema iraniano. Desde um pai que não consegue registrar seu filho recém-nascido com o nome de David por ser considerado '“estrangeiro demais”, passando por mulheres e homens sofrendo assédio sexual em entrevista de emprego ou para conseguir uma carta de motorista, até uma senhora que vai à polícia tentar recuperar seu cachorro (atualmente é proibido passear com cães pelas ruas no país).
O longa, que participou da seleção oficial Un Certain Regard do Festival de Cannes, é filmado com a câmera sob o ponto de vista com as pessoas que detêm o poder da cena. Por vezes, aparecem as mãos e a voz desses personagens em takes sem cortes. Assim, o espectador é colocado no papel dessas figuras, percebendo todo o constragimento e desespero dos que estão em situações mais vulneráveis.
Filme que faz também pensar sobre as repressões cotidianas aqui no Brasil.
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