Paulatinamente #4.5: Emily Blunt em "Oppenheimer" e as "esposas"
Me conta mais sobre mecânica quântica, parece fascinante
Esta edição extraordinária da Paulatinamente acontece porque no fim de semana passado assisti às 3 horas de Oppenheimer, de Christopher Nolan. E, bem, no geral, não gostei, apesar de ter rido muito — de constrangimento. O filme (na minha visão, que não importa a ninguém) tenta ser um “character study” sobre J. Robert Oppenheimer quando deveria ser sobre a criação da bomba e suas consequências morais. Um amigo meu, que fez Física e com quem vi o filme, disse que nem pra Física o Oppenheimer é tão importante assim, mas teve a felicidade de conseguir reunir grandes cientistas sob sua autoridade no Projeto Manhattan.
O filme podia ter uma hora a menos. A primeira hora mostra como ele é um gênio e, por isso, ele tem salvoconduto para fazer o que quiser. A segunda hora é a que realmente vemos a bomba ser construída. A terceira hora é mais focada no seu “julgamento” sobre se era ou não comunista (parte esta em que Robert Downey Jr brilha).
O filme tem diálogos risíveis e, claro, como esperado, as personagens femininas têm pouco destaque. No entanto, quero falar sobre uma em especial, a de Kitty Oppenheimer, interpretada pela maravilhosa Emily Blunt (Florence Pugh, outra grande atriz, só passa os poucos minutos que têm de tela atormentada e sem roupa, algo que não condiz com a complexidade de Jean, psiquiatra que apresentou os textos de teóricos socialistas para Oppenheimer).
Por trás de um grande homem sempre tem uma grande mulher: o enquadramento deixa isso claro com Blunt à esquerda e Cillian Murphy no centro
Falando nos diálogos ruins, a primeira cena em que Kitty aparece é durante uma festa em que conhece “Oppie” (argh!). Eles flertam logo de cara, apesar de ela ser casada com um colega dele, enquanto suas mãos se tocam em meio a trocas de taças de espumante. Kitty logo comenta: “Me conta mais sobre mecânica quântica, parece fascinante”. Tudo é dito com um ar muito sério, porque Christopher Nolan é um diretor sério e é um filme extremamente “masculino”, que acha que as mulheres vão achar fascinante tudo o que esse gênio disser.
Essa cena tem o mesmo mote de outra cena vista em Barbie (filme divertidíssimo!), como notou uma amiga que me acompanhou nos dois filmes. SPOILERS! É quando as Barbies resolvem distrair os Kens para tentar tomar de volta o poder em Barbieland: cada uma chega para um deles e pergunta com a maior cara de burra: “você poderia me explicar como funciona o motor de um carro? parece fascinante”, “você poderia me explicar como se monta uma planilha no Excel?”, “você toca essa música no violão pra mim? adoraria ouvir” e por aí vai. É sim a MESMA cena, mas pelo olhar jocoso de um filme “feminino” dirigido por Greta Gerwig (diretora e roteirista que até esse blockbuster eu nunca curti muito — não, não gosto de Frances Ha, antes que alguém pergunte). Oh, como é frágil o ego masculino, não é mesmo?
Por trás de um Ken tem sempre… duas Barbies (???)
Bom, voltando, a Oppenheimer, a história de Kitty é pra lá de interessante: nascida na Alemanha, ela foi criança para os Estados Unidos, onde entrou na universidade várias vezes, mas deixou o curso para se casar com seu primeiro marido, com quem ficou apenas um ano. Seu segundo casamento foi com um comunista chamado Joe Dallet em 1934; ele morreu em 1937 lutando na Guerra Civil Espanhola, e ela chegou as e filiar ao Partido Comunista. Depois, ela completa sua educação formal, ganhando um diploma em botânica. Seu terceiro marido foi um médico britânico, e ela estava casada com ele quando conheceu Oppenheimer, de quem virou amante e logo engravidou. Daí, ela se divorciou e casou com o físico, com que teve mais outro filho e com quem ficou casada até morrer.
Kitty Oppenheimer (CORBIS/Corbis via Getty Images)
Como Kitty, Emily Blunt faria aqui aquele papel que estamos cansadas de ver, que é da esposa ou namorada que apoia o seu marido de modo incondicional. No entanto, pra mim, a interpretação de Blunt é fenomenal, apesar daquela primeira cena mela-cueca. Ela nunca aparece “feliz” de verdade com Oppenheimer, claramente ela passou por dificuldades para se ajustar à maternidade e cai no alcoolismo (tanto que Oppie leva seu primeiro filho para um casal de amigos cuidar por um tempo até que Kitty se recupere). Pior ainda é quando fica confinada em Los Alamos, que devia ser o maior tédio, cuidando dos filhos, fazendo tarefas domésticas e bebendo várias. Eu gostei que Blunt não minimiza nem um pouco o sofrimento e a frustração que essa mulher deve ter sentido. Ela é, claramente, infeliz. E, apesar disso, continua sendo a pessoa mais forte e esperta do recinto.
SPOILER! Quando Oppenheimer descobre que Jean morreu, ele entra naquela espiral de autocomiseração, ela monta em um cavalo e faz com que Oppie acorde pra vida. É ela quem fala com todas as letras quem é o verdadeiro conspirador por trás do julgamento de Oppenheimer antes que aquele bando de homens se dê conta. E tem a cena do interrogatório, (uma das poucas grandes cenas do filme, junto com a do teste da bomba) em que ela destrói o promotor quando, num primeiro momento, achamos que ela não vai aguentar. Ela também martela na cabeça do marido que ele precisa enfrentar seus inimigos. De frágil não tem nada! Adorei essa mulher infeliz, forte e rancorosa com os cientista que traem seu marido. Pena que ela aparece muito pouco.
A própria Blunt sacou na hora que Kitty desperdiçou um grande intelecto atrás da “tábua de passar roupa”, como disse em uma entrevista a MSNBC. Não havia, infelizmente, muitas oportunidades de vida para as mulheres na época.
Lembrei da maravilhosa Deirdre, interpretada por essa outra maravilhosa que é a Anna Camp, da série Unbreakable Kimmy Schmidt. É uma personagem bem secundária que cria uma rivalidade amigável com a ricaça Jaqueline, a impagável Jane Krakowski. A personagem é uma mulher extremamente inteligente, mas que vira esposa de um homem rico e uma assídua consumidora de vinhos. Para focar sua energia e seu intelecto em algo mais interessante, ela vira “frenemy” de Jackie, finalmente encontrando uma rival a sua altura.
“Eu tenho um diploma em ciência política de Princeto e toda essa energia mental desperdiçada tem que ir para algum lugar!”
Falando em grandes atrizes que já conseguiram seu estrelato fazendo papel de “esposa”, temos a incrível e discretíssima Felicity Jones fazendo a mulher de Jonah Hill no filme Uma história verdadeira. É um longa meio blé que conta a história de Michael Finkel, jornalista do New York Times, que descobre que foi vítima de roubo de identidade: um homem chamado Christian Longo (James Franco) assume seu nome e é acusado de assassinar sua própria família. Com a intenção de reconstruir sua reputação, Finkel se encontra com Longo na prisão para ouvir a sua história.
Enquanto via o filme, não estava entendendo por que Jones teria aceitado fazer um papel tão pequeno e, a princípio, desinteressante. Até que vem a cena em que ela confronta Longo, que está passando por julgamento de homicídio. E ela sabe muito bem quem ele é e joga isso na cara dele, ao contrário do seu marido. A melhor cena do filme!
James Franco e Felicity Jones em Uma história verdadeira
E temos, claro, uma das minhas séries preferidas The Good Wife, com a digníssima Julianna Margulies, inspirada naquele período em que vários políticos estadunidenses apareciam publicamente em coletivas de imprensa para pedir perdão por suas traições, tendo uma esposa fiel ao seu lado. Essa série é uma grande homenagem às mulheres que retomam as rédeas da própria vida.
Já o filme A Esposa traz no seu papel-título a esposa de um ganhador do prêmio Nobel de Literatura, com a estupenda Glenn Close (que deveria ter ganhado o Oscar naquele ano). Não vou falar mais pra não dar spoiler pra quem não viu. É tema pra outra newsletter...
Glenn Close olhando para o Nobel e o Oscar que nunca vieram
Mas, antes de terminar, que apresentar para vocês Richard Feynmann (interpretado no filme por Jack Quaid), físico que o meu amigo falou que é muito mais interessante e importante que “Oppie”. Ele desenvolveu a Eletrodinâmica Quântica, teoria que propõe a quantização dos campo. Ele morou três anos no Brasil, tocava esses tambores e se divertiu muito no Carnaval, como demonstra essa imagem: